Carisma da cantora e hits no bis atenuam mas não escondem o fraco repertório do novo show da musa baiana

Daniela Mercury ousou ao sair da sua zona de conforto e montou um roteiro exclusivamente com canções autorais e sem apoio de bailarinos na estreia do seu novo espetáculo, “Pelada”, na noite desta terça-feira em São Paulo. Acompanhada por um bom quinteto – Gerson Silva (violões), Bruno Aranha (teclado e sanfona), Orlando Costa (percussão), Gabriel Póvoas (sampler e percussão) e Munir Hossn (baixo) – a cantora partiu da premissa que levando ao palco suas próprias composições poderia se revelar ainda mais para o público. O resultado, porém, foi conflitante.
O roteiro de 15 números, contando com o longo bis, veio amarrando as canções com textos que ilustravam as intenções da artista e o reflexo da sua saída do armário ao assumir o romance com a jornalista Malú Verçosa. Mas aí temos um primeiro problema: com tanta conversa e informação o ritmo da apresentação fica muito prejudicado e o foco na música se desvia perigosamente, mesmo levando em conta que quando improvisa, valendo-se de algum humor, Daniela se sai bem. O mesmo não se pode dizer dos textos decorados ou lidos no monitor. Nesses momentos a cantora parece presa em cena, sem o traquejo necessário para interpretação. Não é exagero dizer que a artista fala mais do que canta na primeira parte de “Pelada”.
Aberto com duas músicas extraídas do álbum Sou de Qualquer Lugar, de 2001, “Ata-me” e “Nina”, este início promissor apresenta uma Daniela em contornos sedutores, com a banda acentuando interessante atmosfera jazzy nos arranjos. Mas aí vêm os textos e o show fica em suspensão. Nessa pegada um tanto morna, canções de feitura não tão rigorosa como “Sem Querer” e “Tem Amor”, menores na obra da baiana, pouco acrescentam para elevar o nível musical do show, ainda que as intervenções eletrônicas comandadas pelos samplers do filho de Daniela, Gabriel Póvoas, criem uma certa novidade e leveza no contexto do espetáculo.

O show só cresce em intensidade a partir da sétima canção – “Aeromoça”, parceria de Daniela com o produtor Liminha, surge encorpada pela ótima levada com ares flamencos, onde o violão de Gerson Silva, também diretor musical de “Pelada”, brilha num dos melhores momentos da noite. O samba reggae, que é a grande marca na carreira de Daniela Mercury e pelo qual ela é reconhecida ao trazer para o mainstream nacional os cantos das ruas da Bahia, aparece lá pelo final com “Sol da Liberdade”, sucesso de 2000 do álbum homônimo, “Dara” e a eletrizante “Oyá Por Nós” (Daniela Mercury / Margareth Menezes / Alfredo Moura) que encerra bem o show.
Essa trinca de canções e a inevitável volta para o bis ajudam “Pelada” ser considerado um verdadeiro show de Daniela Mercury. Ao entoar em sequência “Trio em Transe”, “Música de Rua” e “O Canto da Cidade” a ordem e origem da obra da musa baiana se faz prevalecer e atenua a sensação de que a Daniela Mercury compositora ainda está aquém da Danila cantora e líder de um estilo do qual é a maior representante em perspectiva de popularidade.
O setlist da noite de estreia nacional do show “Pelada”
1. Ata-me (Daniela Mercury)
2. Nina (Daniela Mercury)
3. Vestido de Chita (Ivan Huol / Daniela Mercury)
4. Castelo Imaginário (Daniela Mercury / Tais Nader / Gabriel Povoas)
5. Sem Querer (Daniela Mercury)
6. Tem amor (Daniela Mercury / Liminha)
7. Aeromoça (Daniela Mercury / Gabriel Povoa)
8. Cinco Meninos (Daniela Mercury)
9. Sol da Liberdade (Daniela Mercury)
10. Dara (Daniela Mercury)
11. Oyá Por Nós (Daniela Mercury / Margareth Menezes / Alfredo Moura)
Bis
12. Meu Plano (Lenine / Dudú Falcão)
13. Trio Em Transe (Daniela Mercury)
14. Música de Rua (Pierre Onassis / Daniela Mercury)
15. O Canto da Cidade (Tote Gira / Daniela Mercury)
Daniela Mercury – “Pelada”
Quando: 6.8.2013
Onde: Sesc Pinheiros – São Paulo
Review: * * 1/2
Pingback: “Pelada” – novo show de Daniela Mercury | Música Estática